23 de jul. de 2012

A Dama do Take Five

Por Karyme Reis e Natália Blumberg

Dona Ivone Pacheco ao piano
Doze de junho de dois mil e doze. Dia de céu azul, prédios cinza, rosa de amor, vermelho da paixão. Sorrisos bobos dentro do ônibus de amantes e seus celulares. Flores desfilando nas ruas, se encaminhando para os braços de algum amado. Não podia ter dia mais propício para uma pauta de amor. E ali estávamos em frente ao portão de Dona Ivone. Aplaudindo o lugar que serviu de encontro para muitos apaixonados por trinta anos. E acreditem, ainda serve. Ela já não desperdiça suas energias abrindo o portão, deixa isso para uma jovem que lhe auxilia com esses pormenores. E fomos seguindo a moça, observando os arredores, conservados pelo tempo, marcados pela vida.



Eis que se abre a porta do famigerado porão. Teto baixo, escuro, úmido como nossa imaginação desenharia. E a decoração significando mais do que pilhas de fotografias velhas de história. Ela estava ali muito bem acomodada em sua poltrona – a mesma que reserva para as noites em que vive esse amor – nos aguardando, na companhia de duas cadeiras posicionadas para nossa chegada. De costas para a porta, só era possível ver sua mão repousada no braço da antiga poltrona, adornada por um anel dourado que fazia questão de frisar sua vaidade. Vaidade essa digna de uma dama do jazz, uma mistura de doçura que a idade lhe dá – oitenta anos, com a personalidade altiva que a música lhe deu. Ao sentarmos, Dona Ivone logo nos fala que devemos lhe questionar, conduzir a conversa. E a atmosfera que o lugar nos proporciona faz com que aos poucos nos sintamos de volta aos anos 20, talvez 30, de bares típicos de Nova Orleans em que a vitrola só reproduzia o mais antigo jazz. Estar neste lugar, escutando Dona Ivone contar o que sente, envolve o mais desconhecedor do sentimento que inebria essa mulher há tantos anos. 


E num dia de juras de amor eterno e cumplicidades veladas, Ivone nos conta que os encontros são sempre às escondidas. Ela mesma ligava para convidar quem ela queria, preparava o porão para mais uma noite de entrega e ficava com a bagunça para dar conta no dia seguinte. Em seu início, os encontros eram semanais, mas foram se espaçando com o tempo por diversos motivos, desde o excesso de frequentadores, até à idade mais avançada da anfitriã. Mas se engana quem pensa que Dona Ivone não senta mais ao velho piano. As vaidosas mãos ainda sabem o caminho das teclas que improvisam o mais belo jazz. E Dona Ivone insiste: jazz não se estuda, se sente. E durante a vida, entre pausas e retomadas, ela aprendeu música na sua forma clássica, se aventurando no piano desde os oito anos. Mas a paixão se deu mesmo na improvisação desenvolvida pelos negros de Nova Orleans. E não adianta lhe perguntar se ela tem algum músico preferido. Não. "Eu gosto é de jazz, não importa quem o faça". 


O clube de jazz, que recebeu o nome Take Five (música interpretada por The Dave Brubeck Quartet no final dos anos 50), promove até hoje encontros de músicos também apaixonados como Dona Ivone. Com endereço não divulgado a qualquer um, basta o boca-a-boca para reunir uma grande quantidade de amantes que varam noites entre blue notes e improvisos, mantendo viva sua paixão pela música e pela vida.

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