16 de jul. de 2012

Extremamente alto & incrivelmente perto


Por Natasha Heinz

Cartaz do filme / Divulgação
Chamado por muitos críticos norte-americanos de o filme com as piores críticas já indicado ao Oscar, Tão Forte e Tão Perto (2011), dirigido por Stephen Daldry, é a adaptação do livro Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer. E é na escolha da tradução do título que as diferenças entre filme e livro começam. Lançado em 2005, o livro traz em todas suas edições em inglês a chamada para o nome do autor, relembrando-nos que Safran Foer também escreveu o best-seller internacional Everything is Illuminated. Para nós brasileiros, apesar da obra de estreia do escritor também ter sido adaptada ao cinema, o nome não chama muito atenção. Também, pudera, Tudo se Ilumina (2005) só foi sair junto com o filme, três anos depois do lançamento do livro. Seguindo essa lógica, a tradução de Extremamente Alto & Incrivelmente Perto é de 2006, mas só foi chamar atenção esse ano – e depois do filme ter saído de cartaz.



Em Tão Forte e Tão Perto, Oskar (Thomas Horn), um garoto de nove anos, acha uma chave mexendo nas coisas de seu pai (Tom Hanks), morto nos ataques de 11 de Setembro. Desesperado por respostas, ele se convence de que o pai deixou uma última mensagem escondida em algum lugar da cidade. Sentindo-se afastado de sua mãe (Sandra Bullock) cujo luto não entende e conduzido por uma mente ativa que se recusa a acreditar em coisas que não podem ser vistas, Oskar começa a procurar por toda Nova York pela fechadura que pode ser aberta pela chave que encontrou no armário de seu pai. A chave ele encontra dentro de um envelope em que está escrito “Black” e, por isso, durante mais de dois anos, não muito bem demonstrados no filme, Oskar visita todas as pessoas de sobrenome Black cujo endereço consegue encontrar, tentando achar alguma que tenha conhecido seu pai e saiba sobre a chave. Mas é por aí que filme e livro começam a se afastar.
Capa do livro lançado
pela Rocco no Brasil
 em 2006 / Divulgação

No livro, Oskar conta a história junto da avó e do inquilino, que nos ajudam a reconstruir  o passado e entender o senhor misterioso que deixou de falar. São histórias que enriquecem a obra e que a elevam a um nível maior do que a história de um menino que tenta lidar com a morte do pai. Inclusive, desde muito cedo sabemos que o inquilino é, na verdade, o avô, enquanto no filme só temos essa revelação junto com Oskar.

Usando três narradores, Safran Foer brinca também com a diagramação do livro e assim consegue algumas situações que tornam a leitura mais leve, fluida e divertida. Uma das cartas que o avô escreve para seu filho tem tanto sentimento que as palavras acabam confundindo-se: as palavras ao longo das frases literalmente começam a sobrepor-se umas às outras nos dando três páginas ilegíveis que contam uma história que nunca saberemos. Outro exemplo é a conversa que ele tenta ter por telefone com a avó, mesmo sem falar: ganhamos frases e mais frases construídas a partir dos números que ele aperta, as quais podemos ou não tentar decifrar. Junto com as palavras – e as brincadeiras com as palavras –, o livro nos traz também imagens. Não só acompanhamos o que Oskar está pensando, mas conseguimos ver por onde ele está passando, as pessoas com quem está falando, as casas onde está entrando e até as mãos do senhor com “sim” e “não” tatuados. E nesse aspecto o filme perde; não por problemas no roteiro ou na direção, mas porque o cinema por si só já promete a imagem e, assim, fica sem nenhuma novidade para dar ao espectador.

Certos aspectos precisam, é claro, ser transformados de acordo com o suporte e, infelizmente para alguns livros e felizmente para outros, os roteiros adaptados não seguem ao pé da letra as frases do escritor. O roteirista Eric Roth passa um pouco dos limites ao tirar as vozes da avó e do avô cujas histórias são tão ou mais interessantes que a de Oskar, mas todas as outras transformações parecem até necessárias. Por exemplo, Tão Forte e Tão Perto usa, mas não abusa da licença poética que as adaptações da literatura têm: o corte e a mudança de personagens. Quando um personagem secundário que não cabe no filme faz algo interessante, a ação é imediatamente transferida para um personagem primário. A questão que fica é: se um personagem tem uma certa importância, como ele pode ser dispensável? Nesse caso, o inquilino nunca sai para procurar as pessoas de sobrenome Black, pelo menos não junto com Oskar. Não é que a adaptação perca colocando-o nesse papel; pelo contrário, é uma forma de dar importância ao personagem. Porém, o motivo pelo qual ele realmente está lá é outro e as situações não são equivalentes.

A certeza de que a chave é uma última expedição deixada pelo pai também é um aspecto muito mais explorado no filme, que preferiu emocionar a partir da relação de uma família destruída pelos ataques de 11 de Setembro. Oskar, na verdade, só quer desvendar um segredo do pai, para sentir-se mais uma vez perto dele, tentar receber uma mensagem que não pôde ser dada pela secretária eletrônica.

Tão Forte e Tão Perto é também uma mostra de como o cinema ainda não conseguiu trabalhar muito bem com a primeira pessoa literária. Oskar está o tempo todo pensando, fazendo cálculos, chegando a conclusões sobre os mais diversos assuntos. Enquanto no livro tudo isso se passa somente na cabeça dele, no filme ele precisa nos contar. Não entramos na cabeça do garoto para entender o que acontece, mas precisamos ouvir dele, como em uma conversa. O mesmo acontece na relação de Oskar com outros personagens. Ele chega a muitas conclusões sozinho – sobre a mãe, sobre o inquilino – e no livro sabemos isso porque acompanhamos seu raciocínio. No filme, por outro lado, tais coisas precisam ser contadas para ele, não necessariamente para que Oskar saiba, mas para que o público descubra.

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É difícil encontrar uma crítica norte-americana que elogie o filme – tirando certos aspectos, como a atuação de Max Von Sydow (o avô, indicado ao Oscar de ator coadjuvante), quase todas classificam a obra como apelativa. Todas elas focam na queda das torres gêmeas e suas consequências, comparando Tão Forte e Tão Perto com outros filmes feitos sobre o 11 de Setembro, dizendo que ele perde em profundidade e em seriedade, focando apenas na criança que perdeu o pai. O problema é que o livro – e, com algum afastamento, o filme – vai muito além do acontecimento: é apenas um detalhe em uma trama muito maior, o pai de Oskar podia ter morrido em um acidente de carro e a história continuaria podendo ser contada.

O maior defeito de Extremamente Alto & Incrivelmente Perto não é a história, a adaptação ou como a forma que o pai morreu, mas sim o personagem principal. Oskar é o maior problema – na literatura e no cinema. Muita gente, ao ver o filme, perguntou-se se o problema era com o ator principal: não é, apesar de ele ter conseguido levar o nível de antipatia a um novo nível – no livro, Oskar é um pouco mais cortês com os Blacks que visita. Porém, esse detalhe não agrega nenhum tipo de simpatia a ele, uma criança que nem ao menos parece real. Oskar é uma criança de nove anos (onze no filme) que é extremamente inteligente, incrivelmente sério, pacifista, vegano, muito articulado; definitivamente, um garoto prodígio. Tudo, na voz dele, é muito alguma coisa (“extremamente” e “incrivelmente” são palavras que aparecem repetidamente na narrativa), da mesma forma que ele é muito alguma coisa. Contrastando, Oskar tem sérios problemas para se relacionar com pessoas. Juntando os dois pontos, o filme convenientemente explica que ele tem a síndrome de Asperger ou algum outro tipo de autismo leve. Não é, entretanto, suficiente para torná-lo mais agradável. São muitas estatísticas, criações e fatos que nenhuma criança daquela idade se interessaria e, muito menos, lembraria. E é muita independência e egoísmo para uma criança que acabou de perder o pai.

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Apesar do insucesso de crítica, Tão Forte e Tão Perto é um filme que, apesar da história improvável, diverte e, por que não, emociona. Extremamente Alto & Incrivelmente Perto é um exemplo de como a literatura pode agir brincando com as palavras, as imagens e a diagramação e, com isso, chamar atenção de um novo público que procura multiplicidade. Safran Foer, seguindo e orientando outros autores contemporâneos mostra como a literatura tem recursos suficientes para ser tão ou mais multimídia que a internet.

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