16 de jul. de 2012

Folila mistura Mali e o mundo

Por Gabriel Rizzo Hoewell

Se fechar para a cultura de países ditos menos desenvolvidos nos priva, muitas vezes, de desfrutar de produtos de rara qualidade. A música africana é um caso de rica produção cujo acesso nos é impedido pelo preconceito ou por razões sociais e econômicas. Esse distanciamento, compreensível pelo abismo que separa a África do resto do mundo em diversos aspectos, foi superado por Amadou & Mariam.

Já há algum tempo a dupla deixou de ser simplesmente o casal cego de músicos malineses. Eles conseguiram romper essa barreira e se inserir, ainda que não com grande força, num cenário musical mais amplo. A consagração veio com a parceria com o francês Manu Chao, ícone da world music, que deixou sua mistura sonora característica em diversas faixas de Dimanche à Bamako, de 2005, quarto álbum da dupla, por ele produzido. De lá saíram preciosidades que não chegaram – e talvez nunca cheguem – aos ouvidos da grande massa, tais como Sénégal fast food ou Djanfa.

Folila, sexto álbum de estúdio de Amadou & Mariam, lançado em 10 de abril, já apresenta o casal inserido em um contexto global. É certamente o menos africano dos álbuns, o que mais se desprende das raízes de Mali. Não é por isso que instrumentos nativos como balafon, conga, djembe, doum-doum – todos de percussão – ou a tradicional kora ficam de fora. A kora, diga-se de passagem, é habilmente tocada por Toumani Diabaté, o mesmo que fez recente parceria com os brasileiros Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra em uma imersão pela música malinesa que culminou no experimental álbum A curva da cintura. O que Amadou e Mariam fizeram foi trazer músicos da cultura americana e europeia – como os rappers Theophilus London e Santigold, Tunde Adebimpe e Kyp Malone da banda TV on the Radio, Nick Zinner dos Yeah Yeah Yeahs, ou o polêmico e controverso Bertrand Cantat da cultuada banda francesa Noir Desir – e misturar com suas origens. Ainda assim, as marcas da cultura africana, como o inconfundível som das cordas da kora ou a batida dos tambores, ainda ficam e é isso que torna o som fascinante.

O casal malinês se encontrava em um impasse para a construção do disco. Já não eram mais dois desconhecidos africanos ingressando no cenário da música mundial. Amadou e Mariam já tinham certo reconhecimento, eram respaldados por dois grandes discos anteriores e precisavam se adequar ao mercado no qual já estavam inseridos. Era necessário mesclar as origens africanas com uma nova sonoridade. Se Folila perde um pouco em relação aos álbuns anteriores por se distanciar um pouco mais da impressionante musicalidade da África, tem grandes méritos pela mistura bem realizada.

Desta vez, essa mistura foi realmente profunda. Amadou e Mariam foram a Nova Iorque gravar ao lado de grandes nomes da música. Depois voltaram a um mais humilde estúdio malinês para gravar o som da África com desconhecidos artistas e instrumentos. Para celebrar a união intercontinental pela música, fundiram os dois projetos em um só: Folila, disco com texturas únicas.

Oh Amadou (veja o clip aqui), a primeira das faixas lançadas e entre as melhores, une a harmônica e a voz rouca de Cantat com o alegre som da kora. Mogo mescla o francês com o nativo idioma bambara numa incrível sonoridade. Já Chérie nos transporta à África com o coro de crianças e o tema da família, tão exaltado no continente. Não só de amor, contudo, fala o casal. Na sua mistura de blues, rock, afropop e, em especial neste álbum, rap, cabe de tudo: letras sobre pobreza e política também são cantadas, seja em francês, inglês ou bambara.

Amadou & Mariam apostaram na mistura para inovar. Não era mais possível se prender exclusivamente às raízes, nem seria do feitio da dupla que sempre optou pela hibridização. Com shows marcados pelo mundo todo e com a possibilidade de expandir a experiência musical para um âmbito muito maior, apostaram em Folila. É verdade que pode ser dolorido perceber menos da África neste sexto álbum que nos outros. Mas não se pode condenar os malineses por terem se distanciado um pouco mais da música africana. Na prática, as raízes nem foram deixadas completamente de lado e certamente jamais serão esquecidas, tamanha a sua força. É perfeitamente compreensível que se queira crescer para além da cena de Mali, que, apesar de rica culturalmente, como toda a África, é extremamente precária pela falta de recursos.

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