16 de jul. de 2012

Quando o feio bonito lhe parece

Por Priscila Mengue

Audrey Tautou é Nathalie / Divulgação
É preciso seguir em frente, trilhar novos caminhos, andar com as próprias pernas. Talvez esses tipos de metáforas e/ou clichês não sejam tão usuais na França, mas se encaixam no argumento de “A delicadeza do amor” (La Delicatésse). No filme, dirigido pelos cineastas estreantes David e Stéphane Foenkinos, o ato de caminhar é uma constante. Inicialmente, os passos de Nathalie (Audrey Tautou, de “Coisas belas e sujas”) percorrem uma rua recheada de toques de cor e integram o ritmo da trilha sonora. Afinal, logo após ela encontrará o apaixonado François (Pio Marmaï, de “O primeiro dia de tua vida”), seu futuro marido. A vida da protagonista se torna plena. No entanto, um acidente fatal a deixa viúva. Desde então, seu caminhar passa a ser arrastado, tudo fica cinza e a música se torna quase ausente. Num gesto simbólico, ela joga todos os pertences do falecido no lixo e se atira com todas as forças restantes no trabalho. Três anos depois, quando já havia angariado fama de workaholic, a personagem beija inesperadamente um novo colega de trabalho, o sueco Markus (François Damiens, de “O pequeno Nicolau”). A partir daí, o mundo certinho da trama começa a ruir e, nesse meio tempo, ocorre muito vai e vem por ruas, parques e corredores.



O ambiente de trabalho da empresa sueca / Divulgação
A empresa em que Nathalie trabalha tem uma forte relação com clientes suecos. Devido a isso, seu chefe, Charles (Bruno Todeschini, de “Amor em tempos de guerra”) supõe coerente pendurar na parede um cartaz de “Gritos e sussurros” e servir lanches tipicamente nórdicos. Tudo para que o ambiente pareça habitado por entendedores da terra de Ingmar Bergman. No entanto, a atmosfera de superficialidade não se resume a isso. As próprias relações interpessoais funcionam do mesmo modo. Todos são engomadinhos e bonitos demais. Somente quando se descobre a aproximação da personagem principal com o desengonçado e pouco atraente Markus, os preconceitos vêm à tona. Para os colegas, para os amigos e, principalmente, para o chefe de Nathalie, o sueco não está ao nível da jovem. Para eles, que vivem num mundo de rótulos, a aparência do affair da protagonista é suficiente para rejeitá-lo como possível pretendente. Dentro desse feixe de hipocrisias, o par romântico da personagem principal é a pessoa mais real. Apesar de atender a algumas das idealizações românticas como ser muito educado e apaixonado, ele também é o único que se revolta e toma uma atitude, inclusive, brigando com outro homem. Markus é a figura que foge ao mundinho literalmente colorido da história – a decoração é repleta de pontos de cor, em especial, as primárias.


Markus, interpretado por François Damiens, é o elemento
que foge ao mundo colorido da história / Divulgação

Em termos técnicos o longa-metragem não foge ao usual, mas apresenta alguns aspectos interessantes. A câmera é usada de uma forma diferenciada em, ao menos, dois momentos: quando François pede a protagonista em casamento – o movimento dos personagens congela e a câmera os circunda, dando uma ideia de que os dias estão a passar; e quando Nathalie é avisada do acidente do marido – a imagem fica desfocada e confusa, evidenciando o estado mental da personagem. Já no mais, não há muito o que acrescentar: a trilha sonora é pouco ousada, atendo-se somente a embalar a narrativa; a fotografia e a montagem são quase burocráticas.

Lançado em 2001, o longa-metragem recebeu duas indicações ao César (por roteiro adaptado e filme de estreia), o principal prêmio da indústria cinematográfica francesa. Curiosamente, o roteiro foi escrito por David Foenkinos, também autor do best-seller que originou o argumento da obra. Para transpor sua história para a linguagem do cinema, o escritor contou com o apoio do irmão Stéphane, diretor de casting há 15 anos.

“A delicadeza do amor”, enfim, tem méritos, mas não foge o suficiente dos clichês das comédias românticas, em especial, das francesas. A personagem de Audrey, inclusive, é muito semelhante com outra vivida pela atriz em “Uma doce mentira” (2010): ambas são carrancudas, extremamente dedicadas ao trabalho e desinteressadas em se apaixonar. No caso das obras citadas, as personagens tem o mesmo perfil, o que, talvez não por culpa da intérprete, limitou a atuação. De fato, uma das carências do longa-metragem é um aprofundamento psicológico que suprisse a aparência superficial dos personagens secundários. As personalidades ficaram calcadas nos estereótipos: a megera a ser domada, o atrapalhado mocinho a conquistá-la e os críticos a apontar defeitos. Portanto, apesar do encerramento poético, o superficial dá o tom. A referência à obra bergmaniana se restringe somente ao cartaz na parede da sala do chefe de Nathalie. Enfim, trata-se de um filme agradável, mas daqueles que fogem à memória no acender das luzes.

A Delicadeza do Amor (La Delicatésse)
Ano: 2011
Duração: 108 min
Direção: David Foekinos e Stéphane Foekinos
Roteiro: David Foekinos
Com Audrey Tautou, François Damiens, Bruno Todeschini, Pio Marmaï, entre outros. 

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