24 de jul. de 2012

Sem clichê do colonizador

Por Natália Blumberg

Fotos: Divulgação
Baseado livremente em fatos reais, “Xingu” impressiona pela fotografia. A paisagem inspiradora da locação é bem explorada pela direção, que costura a trama aos elementos sensoriais. As tomadas aéreas e as sequências noturnas atestam que o filme se apresenta impecável do ponto de vista técnico. É verdade, também, que o filme surpreende quem esperava encontrar apenas a eterna batalha de brancos x índios. Embora o roteiro seja centrado na história dos três irmãos Villas-Bôas – e que a criação do Parque do Xingu seja o pano de fundo vestido de clímax –, o diretor Cao Hamburger não ignora importantes fatos históricos. Dando sequência à trajetória de produções que provocam reflexão e de cunho educativo – vide a premiada série Cidade de Deus –, Hamburger aborda a belicosa relação do desbravador branco com os índios sem cair no clichê do colonizador.

Os irmãos Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo Villas-Bôas (Caio Blat) decidem trocar o conforto da capital paulista por aventuras pelas entranhas da região centro-oeste brasileira. A participação na expedição Roncador-Xingu se revela uma verdadeira experiência antropológica, envolvendo os personagens na delicada situação das aldeias indígenas frente à onda expansionista e povoadora deflagrada a partir da década de 40.  Em um primeiro momento, o estranhamento com a nova cultura e com o estilo de vida que a expedição tem que enfrentar é narrado sem muitas surpresas; no entanto, a transição entre o pensamento branco civilizado à sensibilização com a realidade e com o futuro das aldeias indígenas é apresentada com maestria. A tomada de consciência por parte dos irmãos Víllas-Bôas, e em especial o relato antropológico adotado por Cláudio, cuja atuação é impecável – ao pôr em prática o exercício de distanciamento e o uso de “diários de campo” –, faz com que o espectador queira tomar partido na situação (além de mostrar que o diretor fez a lição de casa).

Os irmãos Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e
Leonardo Villas-Bôas (Caio Blat) decidem trocar o conforto da
capital paulista por aventuras pelas entranhas
da região centro-oeste brasileira
A dinâmica do filme é o que mais chama a atenção: a história e o envolvimento dos personagens vão sendo contados por um narrador em terceira pessoa (Cláudio), que, mesmo sem ser essencial – de modo que a narrativa não fica engessada –, serve para mostrar como a aproximação com o índio muda o personagem (e vice-versa). Embora possa se afirmar que a discussão sobre a questão indígena e a relação destes com os brancos mereça um maior aprofundamento, ou que permaneça muito rasa no filme de Hamburger, o diretor sabe mesclar os elementos aventurescos da narrativa com as questões históricas e sociais. Não se pode esquecer que, embora o assunto do filme seja a criação do Parque Xingu e seus desdobramentos, o foco da narrativa está na figura dos três irmãos Víllas-Bôas. Portanto, uma abordagem mais crítica ou mais incisiva sobre a questão indígena poderia desvirtuar o mote inicial. Mesmo que a película enfrente algumas ressalvas por parte da crítica e dos espectadores, é importante destacar a atitude admirável de trazer uma questão tão presente na realidade brasileira, mas que raramente se vê retratada no cinema ou na mídia deste ponto de vista.

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