Por Bruna Natasha Bernardes Linhares
John Cusack é Edgar Allan Poe / Foto: Divulgação |
Uma das novidades trazidas pelo filme, dirigido por James McTeigue (de V de Vingança), é a presença do poeta como personagem da narrativa. Poe é interpretado por John Cusack (2012). A ideia principal da produção é criar uma teoria explicitamente ficcional para se chegar até as alucinações finais do escritor. O caminho escolhido para tal tarefa é interessante: um serial killer comete assassinatos em Baltimore seguindo os mesmos procedimentos que os personagens de Poe utilizaram nas suas histórias. O primeiro caso remete a Os crimes da rua Morgue; o segundo, faz alusão a O poço e o pêndulo. Chamado pelo detetive Emett Fields (Luke Evans, de Fúria de Titãs), Poe, que então trabalha como crítico literário para um jornal local, inicia uma colaboração com as investigações. Seu interesse pelo caso torna-se maior quando sua noiva, Emily Hamilton (Alice Eve, de Sex and the City 2), é sequestrada pelo assassino. O escritor é desafiado pelo criminoso a seguir as pistas que serão deixadas pelo caminho, a escrever todo o caso em forma de conto e a publicar o material diariamente no jornal. Ao atender ao pedido do criminoso, Poe torna-se mais do que um escritor: transforma-se em personagem de um de seus textos. A partir daí, segue uma sequência de perseguições e enigmas, onde o autor, acompanhado do detetive Fields, corre contra o tempo para encontrar Emily, escrever os textos e publicá-los no jornal do dia seguinte.
O roteiro, escrito por Ben Livingston e Hannah Shakespeare, dá ao filme um bom ritmo, que alterna entre cenas rápidas em igrejas, tubulações subterrâneas de esgoto, onde acontecem perseguições, e cenas mais analíticas, onde as pistas são avaliadas. Dificilmente se perderá a atenção na narrativa. Fotograficamente, o filme também é muito bem construído. Cenas como as que ocorrem em ambientes internos e escuros, como nos esgotos ou na redação do jornal, ou externas, como as iniciais, que mostram Poe caminhando por uma enevoada rua de Baltimore, contribuem não somente para acentuar o clima de suspense, mas para uma autêntica ambientação do século XIX.
O Corvo chegou aos cinemas brasileiros no dia 18 de maio / Foto: Divulgação |
O grande problema do filme está, no entanto, na maneira como Poe e suas histórias são retratadas. John Cusack, no papel do escritor, não é muito convincente. Desde as primeiras cenas, temos a tentativa de mostrar os problemas que o poeta enfrentava, como o alcoolismo, a falta de dinheiro e a insatisfação de trabalhar em um jornal escrevendo críticas que não eram sequer publicadas. O problema é que em poucos momentos percebe-se em expressões, olhares, movimentos de Cusack indícios do espírito atribulado de Poe, somente através de falas declamadas. O estado do autor é buscado pelo texto, e somente pelo texto, o que torna as situações muitas vezes forçadas.
A maneira como as histórias são inseridas na narrativa também lhes retira a expressividade. Contos célebres como O barril de Amontillado ou O mistério de Marie Rogêt são retratados de maneira absolutamente superficial, de modo que só percebemos que se trata da representação destas histórias porque os personagens o dizem. Quase todos são reduzidos apenas a mortes brutais, ao estilo Jogos Mortais. É quase como se tivessem sido moldados para caberem na trama.
Obviamente, não se espera que os textos sejam reproduzidos no cinema exatamente como foram concebidos. A criatividade na construção do roteiro, e na própria inclusão de Poe como um personagem, já exige um tratamento diferenciado na narrativa, uma nova forma de se olhar para o escritor e suas criações. Além disso, é evidente que existem limitações na transposição de uma literatura, com um estilo bem característico, para o cinema, que tem por objetivo atingir um público grande e variado. Mas o filme, ao tentar, por meio da ficção, fazer esse contato com o autor e seu trabalho, deve, no mínimo, preservar certas características que permitam que eles sejam reconhecidos. Quando Poe e suas histórias são tratados com superficialidade, quando se perde a loucura e a melancolia dos contos e do autor e se reduz tudo a mortes violentas, temos como resultado um filme de suspense “comum”, e todo o diferencial no tratamento da narrativa perde assim o sentido. A impressão que fica é a de que, ao invés de ser Poe, o personagem poderia ser qualquer outra pessoa, e a trama continuaria sendo a mesma.
Como filme de suspense, O Corvo não deixará a desejar. A narrativa é envolvente e o mistério central é muito bom. Tem tudo para prender a atenção do público até o desfecho final. Como filme que se propõe a misturar ficção com a real história do autor, peca pela falta de expressão do personagem e de suas criações, o que pode decepcionar os leitores do poeta. Seja como for, se depois das quase duas horas de filme surgir uma curiosidade em (re)descobrir o verdadeiro Edgar Allan Poe, O Corvo tem um mérito indiscutível.
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